25/06/08

Recordando a velha Beira - Repressão colonial

No "Régulo Luís" com Manuel Mafambate, nascido em 1909.


19/06/08

Recordando a velha Beira - O Beira Terrace



O “Beira Terrace” estava implantado num amplo jardim, sobranceiro à muralha de protecção da cidade e com vista para a baía.

05/06/08

Recordando a velha Beira - O Clube Chines



O Clube Chines é hoje sede do ARPAC





O Clube ChinêsEm Outubro de 1922, realizou-se uma assembleia geral da colónia chinesa da cidade que decidiu a criação de um Grémio para ser reconhecido pela Companhia de Moçambique e pela administração colonial portuguesa. Na reunião foram discutidos e aprovados os estatutos da colectividade que passou a designar-se Associação de Beneficência "A Oriental". A primeira direcção ficou constituída por Chen Hen Chin Pim, presidente, Eruil Shung Chin, secretário, e Ng Deep, também secretário. A 5 de Dezembro do mesmo ano os associados Ah Quin, Man Min, Hoo Yuen e Chin Hon requereram à Secretaria Geral da Colónia a aprovação dos referidos estatutos.
Pouco tempo depois, mas já em 1923, a Companhia de Moçambique, em concordância com as autoridades portuguesas, autorizou a legalização da associação na cidade da Beira. Os principais objectivos da agremiação resumiam-se a prestar assistência moral e material aos associados e a outros
chineses em situação difícil e promover eventos sociais, culturais e festivos.
O edifício do Grémio ficou concluído em 1923. Era então um dos prédios mais altos da cidade erguidos em alvenaria e passou a ser conhecido nos meios coloniais por Clube Chinês.
Fonte: Eduardo Medeiros, O Clube Chinês da Beira (Moçambique). Revista Macau, IIª Série, n.º 73, Maio, 1998:26-33.

30/05/08

Recordando a velha Beira - A Catedral


... e as pedras da Fortaleza de Sofala também serviram para a construção da Catedral da Beira


26/05/08

Recordando a velha Beira - A Mesquita

[AHM, Fundo do Governo do Distrito da Beira, Assuntos Municipais e dos seus Organismos Autónomos, Actas, 1942-1944, cx. 92 – Acta nº 6, Sessão Ordinária da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Beira de 8 de Fevereiro de 1945, p. 70 e 71]
Informação do Engenheiro Superintendente da Repartição Técnica
Em 15 de Junho do ano findo a «British Indian Mahomed Associaton», requereu licença para construir uma nova Mesquita no local da actual que se encontra em ruínas.
O projecto apresentado refere-se a um edifício de vulto que não ficaria convenientemente localizado se não se criasse espaço circundante necessário, de resto, a urbanização daquela zona exige um estudo cuidado de forma a criar o maior desafogo possível.
O estudo apresentado prevê o isolamento da nova mesquita entre as Ruas Pêro de Alenquer, Correia de Brito, rua Aires de Ornelas e uma rua nova, pela expropriação dos talhões 120, 120A, 121, 121A, 122 e 122A.
Destes serão ocupados pela Mesquita, na totalidade ou em parte, os talhões 120A, 121, 121A e 122, ficando os restantes a pertencer à via pública.
Entendo que é de autorizar a licença de construção da Mesquita de acordo com um novo projecto do edifício que se adapte à urbanização projectada e ficando o pagamento das expropriações a cargo dos interessados.
Repartição Técnica da Câmara Municipal da Beira, 7 de Fevereiro de 1945.
O Engenheiro Superintendente da Repartição Técnica (assinado) J. Pinto de Sá.
A Comissão deliberou deferir nos precisos termos da informação da Repartição Técnica.



Nota: "Recordando a velha Beira" é um documentário realizado em 1991 por Maria Pinto de Sá e Ferreira Mendes, do qual vou publicar alguns excertos no blog. Inicio com esta entrevista a Amad Sene Abdulah, chegado à Beira em 1921 vindo de Sofala.

13/05/08

As vicissitudes da torre da capela de S. João Baptista


Informação|Proposta 6|1969, de 22 de Janeiro de 1969, da Comissão dos Monumentos Nacionais.
Assunto: Recorte nº 124 – Torre da 1ª Igreja da Beira
  1. Embora este imóvel não tenha interesse monumental, tem contudo valor como relíquia histórica daquela cidade, uma vez que se trata da primeira igreja construída na Beira, no ano de 1893, pelas Forças de Polícia da Companhia de Moçambique, ali aquarteladas.
  2. Consequentemente, deverá ser proclamado «Imóvel de interesse público» ao abrigo do disposto no Artº 30º do Decreto 20985, de 7 de Março de 1932, mandado aplicar à Província pela Portaria 12185, de 16 de Dezembro de 1947.
  3. Para a conssecução desse objectivo, está a ser organizado o respectivo projecto de classificação, afim de subir à consideração superior.
  4. Tal como aconteceu com a «Primeira Residência do Governo do Distrito de Lourenço Marques», deverá este imóvel ser entregue à Câmara Municipal da Beira, a quem competirá a sua conservação.
  
Da capela de S.João Baptista só resta a torre.



05/04/08

Crónicas de José Cardoso (8)

O Simango, meu Amigo e colega na Farmácia Graça

O Simango, era um jovem aparentemente saudável mas sofria com alguma frequência de hemorragias nasais que o iam debilitando progressivamente e o impossibilitavam de trabalhar por períodos gradualmente mais longos e frequentes. Os médicos do “Hospital Indígena” – único estabelecimento onde lhe era permitido procurar a cura para o seu mal -, ou eram incompetentes e não atinavam com o diagnóstico correcto da sua doença, o que não acredito, ou, o que era mais grave, nunca se esforçaram o suficiente por descobri-lo para o tratarem convenientemente, esquecendo-se que o juramento hipocrático ou o código de deontologia médica, não discrimina o doente nem classifica as doenças em categorias, consoante a pigmentação da epiderme.

Não pretendo que este desabafo seja levado em conta como uma crítica plural à classe médica da época, ao seu saber e capacidade, sobretudo à sua ética, mas é-o sem dúvida à política segregacionista na saúde pública implementada pelo governo, que os hospitais da colónia seguiam porque não tinham outro remédionão o teriam de facto? Não tive conhecimento de qualquer oposição ou movimento da classe médica no sentido de forçar à alteração da política de saúde nas colónias - que eram afinal, o corolário de uma situação absurda, injusta e anómala.
Dirijo-a também e com conhecimento de causa, a um pequeno grupo que, ou era negligente, porque os há em qualquer profissão, ou carneiros do mesmo rebanho institucionalizado, porque os há também em qualquer pasto e situação, incapazes de impor os seus direitos e deveres, porque tinham a robustez moral necessária, o direito e o dever de o fazer com as armas de que dispunham que eram de importância crucial: o seu saber nos fios cortantes dos bisturis para argumentar e pôr em causa a saúde pública praticada. Preferiam acomodar-se às circunstâncias porque era mais cómoda essa posição inócua e, sem dúvida, lhes dava melhores oportunidades de “subir na vida”, com benefícios e remunerações de superior qualidade!...

Aos outros, que seriam a maioria e que a muitos conheci pessoalmente, respeito-os e admiro-os pela sua devoção deontológica, o seu saber e generosidade nas relações com o doente, fosse qual fosse, e a alguns, que também conheci, pela coragem que tiveram em assumir posições correctas no interior das barricadas da resistência e pela dedicação solidária que sempre demonstraram ter para com os mais humildes e desfavorecidos.
Tenho o nome de alguns na ponta da língua mas não os refiro, pelo receio de esquecer outros que de igual modo mereciam ser referidos. Guardo-os na minha lembrança com admiração e respeito, mas, sobretudo, em sua homenagem e memória.

O mal de que padecia o meu amigo e colega, tão jovem como eu, acabou por vencer a sua fraca resistência e levá-lo prematuramente à morte, pagando com ela – ouso afirmá-lo - como aconteceu a tantos outros, a “factura” definitiva da exclusão criminosa e da incúria.
De que morreu nunca o soube porque ninguém foi capaz de o dizer e que me tivesse constado, nem através de uma certidão de óbito que julgo não ter sido passada, ou porque tivesse morrido na palhota da Munhava enquanto dormia ou por se tratar possivelmente de burocracia escusada, de gastos de tempo e de papel!...
Tocou-me profundamente a morte inesperada do meu companheiro e junto dos restantes colegas, falei-lhes da minha intenção de estar presente nas exéquias fúnebres. Com alguma apreensão, colocaram-me dúvidas e preocupações relativamente à forma como poderia ser recebido pelos familiares e amigos presentes nas cerimónias. Não sendo normal a presença de brancos nos rituais fúnebres dos negros, aconselharam-me a não fazê-lo. Podia a minha presença por isso - pressentiam-no – mas também por razões das políticas sociais que nos dividiam, ser objecto de animosidade e desconfiança quanto à sinceridade dos meus sentimentos e propósitos.
A presença de um branco chorando a morte de um preto de quem se dizia amigo, à beira da sua sepultura, era motivo de estranheza e no mínimo, incómoda e causadora de justificada perturbação.
Seria eu de facto um amigo ou umbufo” disfarçado em carpideira para escabichar o ambiente?!... O , soube-o mais tarde, era tido como elemento suspeito e eventualmente perigoso pelas autoridades coloniais. Um jovem inteligente que via longe sem auxílio de dioptrias instaladas em incómodas lentes de vidro que o identificariam à primeira vista. Conversávamos muito e muitas das suas análises à situação surpreendiam-me pela lucidez e confiança num futuro diferente.

Conheciam-se algunsbufosque rondavam pela imensa Munhava e por outros bairros suburbanos mas esses eram pretos pelo que, em princípio, se mantivesse o propósito de estar presente nas exéquias, poderia na melhor das hipóteses ser olhado apenas com alguma reserva e apreensão e imputar-me-iam o benefício da dúvida.
Declarei-lhes pois, que a minha decisão era definitiva porque achava ser essa a minha obrigação e que estava disposto a enfrentar quem a quisesse pôr em causa e aos meus sentimentos para com o meu colega e amigo, não consentindo a minha presença pela simples razão de ser branco.

À hora aprazada para a cerimónia, compareci na sua residência. Uma humilde palhota de adobe implantada no interior dos terrenos pantanosos e insalubres da grande Munhava, vasto latifúndio urbano de cerca de oito milhões de metros quadrados - como refere Rui Cartaxana no seu livroEu, um homem a liquidar”-, pertencente a três conhecidas e “importantespersonalidades da terra: o Dr. Joaquim Teles Palhinha, os senhores, Armando Fernandes de Azevedo e José Martins Dias da Cunha. A todos ainda conheci, mas melhor o segundo, dono das organizações “Adolph Kung”, onde viria a trabalhar o meu amigo e poeta João Miguel Nunes a quem voltarei a referir-me e que, se a memória não me falha, me teria dito em qualquer oportuna ocasião, que o seu patrão, o senhor Armando de Azevedo, era ainda seu familiar, creio que primo, mas o facto não lhe dava outras regalias que não fossem as mesmas que dava a qualquer empregado seu, que não eram muitas aliás.

Chegado , nesse imenso latifúndio que era a Munhava, fui informado por uma vizinha, uma simpática velhota, que o cortejo fúnebre havia partido para o local das exéquias e que estariam nesse momento a iniciá-las. Com um indicador trémulo e ossudo, apontou-me ao longe uma pequena elevação de terreno onde se destacavam as manchas verde-ferrugem, do que me pareceram ser as largas copas de dois ou três velhos cajueiros. Depois, solícita ao meu pedido de ajuda, a velha senhora disponibilizou um de seus netos - um garoto amável mas pouco comunicativo, que me olhava de soslaio como se fosse um espécime raro a chafurdar no matope daquelas bandas - para me servir de guia e levar-me, ziguezagueando por caminhos entre charcos de lama e pequenos rectângulos familiares de arrozais, até uma ligeira elevação de terreno onde, à sombra de um frondoso cajueiro de entre os poucos que constituíam uma espécie de oásis no meio da imensa estepe de capim e pântanos, se aglomeravam familiares e amigos do . Preparavam-se para as cerimónias do derradeiro adeus ao ente querido que havia sido em vida, estou certo, filho e pai extremoso, esposo amado e respeitado companheiro de trabalho e quiçá de luta. De resistência ainda, que os olhares febris das muitas malárias e constrangimentos sofridos ao longo dos séculos nos exumavam lembranças esquecidas e anátemas terríveis, que me gelavam o sangue de medo e de vergonha.
Olhares arregalados de espanto e suspeição caíram então sobre mim de forma perturbadora e francamente hostil, com razões de sobra reconheço-o agora, porque na altura, ainda caminhava por atalhos sinuosos enterrando os pés nas lamas da vida, em procura dos muitos porquês e das razões para tantos!...
De alguns - porque não dizê-lo se foi essa a impressão com que fiquei – saíam chispas de intolerância e de ódio que convergindo sobre mim com a intensidade e o peso do tamanho dos sofrimentos me intimidaram e, alguns resquícios de cobardia me subiram pela coluna e quase me obscureceram o pensamento e enfraqueceram a determinação que se ressentiu na tremura e hesitação das minhas pernas.
Reagi a tempo e balbuciei algumas palavras sobre as razões, os deveres e os direitos que justificavam a minha presença no local; que tal como muitos deles me considerava amigo do e que para ali me tinha dirigido para, também como eles, lhe prestar as minhas últimas homenagens como amigo e companheiro de trabalho; para me despedir em suma de alguém, que sempre me merecera o maior respeito e consideração.
A reacção foi inesperada e de certo modo surpreendente: lentamente e com taciturno respeito, os homens, começando pelos mais velhos, abriram alas e convidaram-me a aproximar-me do caixão fechado onde, rodeando-o e cobrindo-o com os corpos estendidos num abraço colectivo, um grupo de mulheres carpia sons estranhos de dor e conformismo em suaves coros que ressumavam abatimento e melancolias.
À minha aproximação emudeceram as vozes e, afastando-se do esquife, ficaram expectantes às informações que de imediato lhes foram dadas em “chissena ou n’dau”, não estou bem certo, por um dos homens presentes, um velho, que me pareceu ser uma figura importante e respeitada na comunidade.
Tranquilizadas as mulheres, afastaram-se ligeiramente para permitir que me aproximasse, prontificando-se a abrir o caixão de forma a poder olhar pela última vez o rosto do meu amigo, prestar-lhe assim as minhas homenagens e despedir-me dele em definitivo.
Perante a minha recusa cerimoniosa em aceitar tão comovente procedimento, teimaram em abri-lo e fizeram-no com respeito e dignidade.
Parecia estar dormindo o . Com uma expressão serena num rosto mais pálido do que tivera em vida e um subtil sorriso, simpático mas arrogante, igual ao que sempre o caracterizara e que agora o acompanhava para todo o sempre, numa genuína e derradeira afirmação da sua verdade em relação aos homens e ao mundo dos outros.
Não consegui evitar - porque também nada fiz para isso e nem o conseguiria se o tentasse -, que o meu jovem amigo e talentoso filósofo, levasse ainda consigo e de mim, algumas lágrimas de culpa, de nostalgia e reconhecimento.
Dele fiquei com recordações de bons e infelizmente curtos momentos e de uma ou outra subtileza que caracterizavam uma filosofia própria e que me ajudaram a crescer, como por exemplo, a sua generosa e zombeteira preocupação em corrigir-me o português falado, emendando-me os termos de “pretoguês” que eu e a maioria dos brancos utilizava na dialogação diária com pretos, em soberba inconsciência anti didáctica, julgando que, procedendo assim, melhor nos compreenderiam e mais deles nos aproximávamos.
À afirmação de que: - olha , ontemnosso” foi ao cinema e viu um filme “maningue” nice!... Logo um sorriso lhe aflorava o rosto e respondia: - ah sim!... E como se chamava o filme quevosso” foi ver e que era muito bom?!... Conta a “nosso” tá bem!?...

In “Memorandos da Vida” de José Cardoso, a publicar.

02/03/08

Visita do Príncipe da Beira


Aqui assistimos, muito de perto, a tudo quanto se passou com a visita do Príncipe Real, D. Luís Filipe, em Agosto daquele ano de 1907, data em que a Beira foi elevada à categoria de cidade.
Por qualquer mal entendido na organização do programa da visita, que fora tido, aliás, por aprovado superiormente, houve uns tantos desencontros que tiraram à recepção o brilho que se lhe poderia ter dado. Contava-se com o desembarque, segundo o programa, para pouco depois da chegada do «África», cerca das 10 horas. O público da terra estava avisado e solicitado para comparecer na ponte-cais a assistir ao desembarque, dando nessa altura os «vivas» e demais demonstrações de regozijo, e, a seguir deveria ter lugar a recepção na Residência. Concluída esta haveria almoço de sessenta talheres, para o qual haviam sido convidadas todas as pessoas gradas da terra.
O primeiro desencontro foi logo nesta primeira parte. Sua Alteza e comitiva ficaram a bordo, não vindo almoçar a terra, e o desembarque só se efectuaria pelas 14 horas. Foi preciso dar contra-aviso, ou antes, contra-convite para o almoço e marcar nova hora para a recepção. O público que havia comparecido na ponte-cais, na sua quase totalidade, debandou desconsolado e, como a terra não era provida de meios de transporte ao alcance de todos, os que depois voltaram à ponte-cais às 14 horas eram em número sensívelmente reduzido, e já não houve os projectados «vivas».
Realizada a recepção às 15 horas, seguiu-se uma visita ao Motundo, onde nada havia preparado, porque não constava do programa, já então completamente posto de parte. Após a vinda do Motundo, houve a cerimónia da primeira pedra do actual Tribunal da Comarca, e, em seguida, a inauguração da Escola de Artes e Ofícios.Havia no local uma kermesse onde o régio visitante e sua comitiva se entretiveram até ao começo da noite. Nessa altura notou-se a falta de luzes e foram-se buscar, rapidamente, os candeeiros de poste, uma meia-dúzia, que iluminavam o cais da Alfândega. Também não se contava com isto porque a inauguração da Escola estava marcada no programa para muito mais cedo.
De volta à Residência pelas 20 horas, foram preparar-se os visitantes para o jantar de gala, marcado para as 20,30 horas. Logo a seguir ao jantar quiseram retirar-se para bordo, o que também foi incidente novo, porque se contava com alguma demora, como é de uso após qualquer banquete.
Seguiram, pois, os visitantes para bordo; mas como os candeeiros de poste ainda continuavam na kermesse da Escola, estava o cais da Alfândega e a ponte-cais às escuras e o embarque efectuou-se à luz de fósforos.
Seguiu o «África» para Moçambique e, no regresso, passados meia-dúzia de dias, voltaram Sua Alteza e comitiva a desembarcar, mas desta vez com destino a Manica onde passaram três dias em visita às minas.
Naquele tempo da ida a Moçambique, chegou um telegrama de Lisboa em que se transmitiam os reparos oficiais pelo pouco entusiasmo da recepção na Beira, aludindo-se à falta dos vivas, embarque às escuras e uso dos fósforos. O que não se sabia em Lisboa, naquela altura, mas soube-se depois, é que, propositadamente ou não, o programa havia sido posto de parte, o que tinha, fatalmente, de dar lugar a desorganização com as consequências que se viram.

50 anos de África, por J. Oliveira da Silva
Diário de Moçambique, Beira, 4 de Junho de 1953, p. 1 e 10; 16 de Junho de 1953, p. 1 e 5]

texto enviado pelo Dr. António Sopa

20/02/08

Excertos do conto "Encontro Inesperado” de José Cardoso

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-É verdade isso sim senhor. Lembro algumas pessoa que até era de maningue engraçado, de pôr riso na cara da gente mesmo… originais como se diz. Não originais do lugar mas das maneira de mostrar figura de importância e dizer coisas de boniteza. Lembro de uma de Gillete…
-Conheci muito bem. Mas esse não era o seu nome verdadeiro – interrompeu.
-Era sim patrão…Oh! Desculpa patrão... custa muito esquecer este palavra de tratamento. Desculpa outra vez senhor Fernando. Mas eu lembro bem. Era de Gillete sim senhor. Todo gente falava.
-É verdade. Chamavam-na de Gillete porque era mulher de um dentista que se chamava Gil e o povo colono baptizou a ela com nome feminino de Gil.
-Verdade? Essa não sabia não, mas era essa mesmo tal e qualmente. Era maningue cocuana de mais idade, mas tinha vaidade de tombazana, como diz aqui no sul, quase finalizada para ser lobulada. Tapava a velhice com tintas nos cabelo e graxa para tapar os buraco das ruga. Usava também os pós-de-arroz-doce para docicar a pele que parecia matope seco com falta antiga de chuva. Fazia as inveja das muanas mulheres que ficavam velhas depressa com a sombra dela, quando passava a espalhar cheiros de perfume e cocós de cãozinho dela pelos passeio, que misturava no ar com aqueles que chegavam do Chiveve, que cheirava de merdesia quando maré subia para regar os pasto dos golfistas. Ela andava sempre a passear o Lulu dela. Era um cão pequenininho que nem se sabia onde ficava a frente e o atrás. Era como bola de algodão a ser chutada nos passeio algumas vezes e outras vezes a ser tchovada pela corrente que prendia a ela. Você lembra meu conterrâneo amigo?
-Lembro da Gillete sim senhor e muito bem. Gostava muito de cinema e era raro faltar a uma estreia. Até levava o cão com ela a ver os filmes…
-Disso não lembro não – interrompeu o amigo. –Nesses tempo preto não via cinema. Não era deixado – e depois de uma pausa triste e recordativa –, mas cão era deixado ver filme
-Tem toda a razão, meu amigo Gimo. Sou também desses tempos e sou testemunha viva dessas aberrantes e injustas discriminações.
Respeitou por momentos o recolhimento evocativo do companheiro e continuou:
-A Gillete era uma figura única, muito típica mas também muito grada, entre os colonos da sociedade beirense. Era como uma mascote-múmia que, se por uns era ridicularizada, por outros era admirada e respeitada... – e oferecendo-lhe um sorriso aberto de satisfação, retribuiu, repetindo o que ele havia dito: –...meu conterrâneo amigo!... Assim fica melhor essa forma de nos tratarmos. Mas por você é mais costumado, é tratamento de respeito e amizade. Por amigo prefiro, porque afinal é o que somos, não é verdade? Estávamos é esquecidos um do outro.
-Se o amigo diz assim, é porque é, e eu aceito com alegrias e kanimambos no coração.
-Afinal aprendeu depressa alguns termos usados no sul – disse Fernando, e, retomando o fio à meada, recordou:
-A Beira era rica de personagens excêntricas e requintadas. Lembro-me de um doutor…
-Não avança mais meu amigo conterrâneo – interrompeu Gimo com entusiasmo -, não avança mais. É aquele doutor que usava só metade dos óculo. Como se chamava aquela coisa?
-Monóculo. – respondeu o inquirido, voltando a repetir: –Chama-se de monóculo.
-Isso mesmo. Chamava-se assim, de monóculo. Ele não precisava de óculo inteiro para ver a gente. Punha aquele redondo de vidro no olho só para fazer chibante. Era bonito inté. Tinha moldura e corrente fina de prata, igual à dos artesanais ourives da Ilha de Moçambique. Era p’ra não deixar cair no chão e estragar de vez…
verdade. – Corroborou Fernando. – Mas um dia aconteceu e partiu-se.
-Ah sim!? Não sabia desse conhecimento…
-Contava-se até que ele tinha levado o que restava do monóculo ao oculista para consertar. E quando o foi buscar, mais tarde, a menina do balcão, que era muito bonita e gostava de brincar de atrevimentos, lhe teria perguntado: -O doutor quer que embrulhe ou leva no olho? …
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Do livro "Mangachana, a Feiticeira e outras histórias” a publicar brevemente.