28/11/07

Crónicas de José Cardoso (8)

A 1 de Janeiro de 1972, na Paróquia de Macuti, o padre Sampaio profere uma homilia acusando a existência de injustiça em Moçambique, pelo domínio de uma raça sobre outra. Assim "os brancos em Africa enriquecem em poucos anos e o africano fica sempre pobre (...); muitos ladrões degradados que ninguém aturaria no outro lado de do Atlântico, foram gente grande em Africa. Quer dizer que as leis no papel são sempre justas, na prática é que muitas vezes o não são. Reflexo disso é a "cintura negra" com bairros de miséria à volta das grandes cidades com prédios e avenidas para gente branca".

A homilia denunciou ainda na altura, o massacre de Mocumbura, perpetrado em 14 de Novembro de 1971, na região de Tete. Um grupo de 40 comandos incendiou 50 palhotas. Uma delas tinha dentro 16 mulheres e crianças que foram queimadas vivas. “Nada fizemos e nada contestámos contra esta barbárie, bradaram os missionários da igreja do Macúti”.

Era assim que a tropa colonial fazia a guerra. Era este o método e o comportamento de muitos algozes - formados pelos generais de inspiração fascista - transformados emcomandos”, “especiais”, “Flechas”, “OPVDCs” e quejandos, para melhor e com maior requinte de selvajaria, massacrarem um povo que apenas pedia justiça e liberdade.

E quando estes crimes eram publicamente denunciados, os autores dessas denúncias eram perseguidos, presos e torturados como o foram os padres Sampaio e Fernando.

Mas antes de o serem, no Macúti, a 9 de Janeiro, na cerimónia dos escuteiros, o padre Fernando não deixa entrar a bandeira portuguesa porque ela representava Portugal e chocava oito milhões de pretos para quem ela simbolizava "colonialismo, exploração, domínio etc.", e por isso aceitaria a futura bandeira de Moçambique.

Desassombro e coragem de um homem que tinha contra si as pressões do governo e da própria hierarquia titubeante da igreja.

Seguiram-se de imediato as prisões dos dois padres, quando tomávamos conhecimento da abertura de uma nova frente pela Frelimo, a de Manica e Sofala, onde se combatia.

E perante o avanço dos combatentes que as autoridades coloniais e os “médiapor elas controlados, insistiam em chamar pejorativamente de “turras”, a reacção activa respondia com a intimidação e com actos de autêntico terrorismo.

Assim, panfletos eram espalhados pela cidade, com origem no Jardim e sua camarilha. Atacavam os padres de Macúti, exigindo a sua expulsão. Com incidência nas escolas, apareceu um que sugeria uma tomada de posição equiparada à do ano de 1759 e ostentava a figura do Marquês de Pombal, com a seguinte legenda: - "Oh! Marquês... Oh! Marquês. Vem a baixo que eles estão outra vez".

Na mesma altura era lançado um engenho explosivo à entrada do Paço Episcopal e expulsos três missionários espanhóis, entre eles, Miguel Buendia.

Alguns comportamentos pessoais de representantes da igreja católica como os que acabo de referir, não eram de forma alguma a regra mas a excepção. Sempre foi do domínio público a sua instrumentalização pelo regime, apoiando-o na sua política de ocupação colonial, com os "totens" da cruz e da espada simbolizando as duas inseparáveis intenções: - o domínio do corpo e do espírito.

Dando a sua bênção à concepção portuguesa do que deve ser o trabalho missionário – dizia o jesuíta inglês Adrian Hastings - a igreja garantia privilégios e auxílios financeiros consideráveis para as suas Missões e Dioceses.

Depois de julgados em Lourenço Marques e de terem sido postos em liberdade, levando em conta o tempo que estiveram presos, os referidos missionários regressaram à Beira mas depressa foram envolvidos por ambiente hostil a que nós assistimos, como conta a VISÂO de 5 de Junho de 2003, muitos anos depois, de quem tirámos este e muitos outros excertos, com a devida vénia:

Manifestações contínuas e violentas, junto da casa episcopal e do governador, dirigidas pelas filhas de Jorge Jardim (entre elas Cinha Jardim), muito populares na cidade, impuseram a saída dos padres. Por questões de segurança, o pároco do Macúti viu-se obrigado a deixar o território, em segredo, pela África do Sul, enquanto Marques Mendes, menos conhecido, abandonou Moçambique pelo aeroporto da Beira. Sampaio recorda que foi um aviso enviado ao então governador da Beira, Sousa Teles, que estancou o surto de manifestações. E esse aviso era que, os missionários estavam dispostos a arrancar os africanos do mato para a invasão da cidade.

Os acontecimentos precipitavam-se e com os guerrilheiros da Frelimo apertando o cêrco à capital de Sofala, o desassossego e o pânico tomaram conta das gentes da cidade de cimento coarctando-lhes toda a capacidade de raciocínio e reagindo de forma irracional, injusta e precipitada. Preferiram preparar-se para uma fuga vergonhosa, construindo grandes contentores em madeira onde pudessem transportar os "salvados" do eldorado das suas vidas por terras de Africa. Alguns deles, cintados com grossas ripas como reforço, transportavam centenas, senão milhares de moedas de prata de 20 escudos em esconderijos engenhosamente cavados no interior dessas ripas, por acção de um arco-de-pua que os abria à sua medida.

O estratagema foi descoberto quando um desses contentores com destino ao porto de Leixões, se despenhou das alturas de um guindaste no momento do embarque, e espalhou pelo chão do cais, centenas dessas brilhantes moedas.

Esses caixotes de tamanhos variados, proliferavam pelas ruas e quintais, como monumentos sem glória, prontos a serem sepultados nos porões dos navios, rumo aos mares do Atlântico e à costa ibérica.

Também, como complemento de um cenário apocalíptico, jovens soldados de olhar esgazeado, descansando das agruras dos matos, das emboscadas, e dos gemidos agónicos dos companheiros que morriam a seu lado, passeavam pela cidade a sua impotência esquizofrénica, mergulhando instintivamente no cimento áspero dos passeios, a cada disparo inesperado dos escapes dos automóveis.

in "Memorandos da Vida" III Volume de José Cardoso

03/11/07

Farol do Macúti





Foi em 2 de Janeiro de 1904 que se inaugurou o Farol do Macúti e se concluiu também uma linha telegráfica directa entre o mesmo e a capitania do porto.
[Diário de Moçambique, Beira, Número Especial dedicado às Festas do Centenário da Cidade da Beira, 20 de Agosto de 1957, p. 27]