12/11/09

Chineses da Beira

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Foi a partir de 1881 – já num contexto de implantação do capitalismo imperial - que a procura de «coolies» chineses se tornou consistente na colónia. A construção das duas principais cidades, Beira e Lourenço Marques, os respectivos portos e caminhos de ferro, as açucareiras do Baixo Zambeze (Sena Sugar States) e do vale do rio Búzi (Companhia do Búzi) e outros empreendimentos coloniais modernos careciam de artesãos mais ou menos hábeis e a baixo preço que a mão-de-obra especializada proveniente da Europa não satisfazia pelo seu elevado custo.

«Coolies» foi a designação usada pelos britânicos durante a segunda metade do século XIX e primeiro decénio do século XX para designar os contratados indianos e chineses nas suas possessões do Oceano Índico e da Ásia do Sudeste.

…………… em 1887, chegaram à região de Lourenço Marques os primeiros operários vindos de Cantão para a construção do Caminho-de-ferro de Lourenço Marques para a África do Sul, empreendimento que se realizou entre 1887 e 1889, e para o território de Manica e Sofala, mais a norte, sob administração da Companhia de Moçambique, também foram contratados «coolies» chineses para a construção do Porto e do Caminho-de-ferro para a Rodésia Beira-Umtali, 1892-1898. Tanto nestas como noutras tarefas “vieram a demonstrar vastos conhecimentos e muita perfeição, o que tornava impossível a concorrência de operários europeus”, lastimava Eduardo Costa. Os que ficaram pela povoação depois das obras nos portos e caminhos-de-ferro deram valiosa contribuição para o crescimento dos dois burgos, ajudando na construção dos edifícios públicos e das casas de particulares.
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Os artesãos mais ou menos especializados da primeira vaga transformavam-se em horticultores na periferia das cidades da Beira e de Lourenço Marques quando não tinham trabalho nas obras ou quando chegaram familiares e não tinham emprego; dedicaram-se alguns à pesca e à colecta de holotúrias no Inhassoro e Mambone, na região centro-sul da colónia, entre o rio Búzi e o rio Save, e no norte, em Mocímboa, Ibo e outras praias do litoral do oceano Índico. Anos volvidos transformaram-se quase todos e suas famílias em «cantineiros» para o comércio com a população negra. Por fim, a partir dos anos 30, surgiram comerciantes na cidade de cimento dos colonos, e mais tarde, nos anos 50 e 60, alguns abriram fabriquetas de confecções e de outras indústrias, e os jovens saídos das escolas portuguesas passaram a trabalhar nas instituições públicas e privadas.
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A cidade da Beira nasceu num pântano à beira-mar por imperativos de um porto oceânico, onde desembocariam os caminhos-de-ferro e estradas que serviam o hinterland da Federação das Rodésias e Nyasaland e até do Katanga. A cidade foi também a “capital” dos territórios de uma Companhia Majestática governada por grupos financeiros internacionais. Quer a influência britânica da Federação quer da administração da Companhia e seus funcionários deram um cunho particular às relações sociais no burgo até 1949, ano em que o caminho-de-ferro foi adquirido pelos portugueses. Sem espaço para tratar desta questão neste artigo, direi em síntese que até aos anos 40 a existência da comunidade chinesa da Beira inscreve-se num contexto diaspórico chinês para territórios britânicos no oceano Indico, ao contrário da comunidade laurentina, que vivia numa cidade capital da colónia, mais portuguesa se assim o podemos dizer, embora o seu porto e caminho-de-ferro para o Transvaal também veiculassem, obviamente, enormes influências britânicas e sul-africanas. Na Beira, os sino-asiáticos estiveram até ao fim da IIª Guerra mais relacionados com os ingleses e isto no que respeita a títulos de viagem e passaportes, a documentos de residência e às relações com as terras de origem através de Singapura e de Hong Kong, territórios do Império britânico. E também dos negócios com a Ásia.
Mas para além disto, a formação e desenvolvimento da Beira caracterizou-se nos primeiros decénios pela chegada ao burgo de imigrantes europeus e americanos das mais variegadas proveniências na miragem do eldorado de Manica, e também pela presença de uma multidão de trabalhadores negros de diferentes origens, que viviam em compounds na periferia do núcleo urbano que se ia formando e em bairros de caniço que foram nascendo, como já assinalámos.

Censo de 1897
Portugueses 540, Ingleses 216, Alemães 46, Franceses 43, Gregos 40, Espanhóis 20, Holandeses 11, Italianos 11, Suíços 14, Suecos 11, Americanos 10, Indo-Ingleses 165, Indo-Portugueses 110, Chineses 85, Árabes 5, Africanos 2714
TOTAL 4041

Fonte: Rui Rodrigues, A cidade da Beira – ensaio de geografia urbana.
In: Geographica, revista da Sociedade de Geografia de Lisboa, n.º 14, Ano IV, Abril de 1968, pg. 81



Foi nas rotas dos compounds para o porto e para o caminho-de-ferro e nos bairros indígenas que os sino-asiáticos e os sino-africanos se instalaram para o comércio de comida e de bebida com a população negra. Ao longo da história colonial da cidade, a localização dos compounds foi-se alterando e novos bairros foram nascendo. No primeiro quartel da história da Beira os compounds situavam-se na proximidade do porto e do caminho-de-ferro, e os bairros do Maquinino e do Chaimite eram por excelência os bairros dos asiáticos (chineses, indianos), dos colonos mais pobres e dos mestiços. Depois foram surgindo os bairros da Munhava, Chipangara, Esturro, Matacuane, Manga, Macúti, etc.

Excertos de “Os sino-moçambicanos da Beira. Mestiçagens Várias.”
de Eduardo MEDEIROS