05/08/07

Crónicas de José Cardoso (6)

Sabíamos, pelo que ouvíamos e líamos nos órgãos de comunicação social, que em vários pontos do país se procedia à perfuração do subsolo na procura de hidrocarbonetos e, suponho, que de outras riquezas naturais, nomeadamente nas regiões do Búzi e de Inhambane, possivelmente noutras menos conhecidas, porque menos ou nada divulgadas.
Corriam na cidade as mais diversas especulações sobre o assunto até que, em 1962, foi anunciada a descoberta de importantes jazidas de gás natural em Pande e Temane, na já referida província de Inhambane.
Pouco tempo depois fomos surpreendidos por um fenómeno nocturno curioso e de certo modo deslumbrante, ao mesmo tempo que os jornais e a rádio, anunciavam a deflagração de um violento incêndio num dos poços abertos em Pande.
Ao cair da noite, uma auréola alaranjada manchava o céu distante, a algumas centenas de quilómetros, parecendo que o poente suspendera por qualquer motivo transcendente, o seu declínio natural.
Convivemos com esta imagem nocturna e habituámo-nos a ela durante largos meses, até que, se extinguiu, por acção de técnicos especializados na extinção de incêndios semelhantes, vindos dos países que tinham a responsabilidade contratual de proceder a pesquisas de hidrocarbonetos no nosso, nomeadamente dos Estados Unidos da América.

Quase em simultâneo, a Beira era sacudida por outra notícia, que só pelo facto de não ser suficientemente divulgada nos órgãos de comunicação social por razões que desconheço, lhe dava uma auréola de autenticidade encoberta. Corria de boca em boca de forma especulativa, que no Búzi, teria sido descoberto petróleo. Oficialmente nada foi confirmado nem, que me lembre, desmentidos os rumores, e se o foi, ninguém deu crédito à notícia porque, as próprias fontes que as forjavam e disseminavam, eram porta-vozes de interesses económicos suspeitos e estavam por isso e por muitas coisas mais, sobejamente desacreditadas.
Fosse como fosse, verdade ou não, o que corria nos bastidores da murmuração, era o que constava como um facto real: alguns habitantes da vila do Búzi, estavam a utilizar nos seus automóveis, um novo combustível retirado dos poços ali abertos, a que deram o nome de “buzilina”.
Tive ocasião de observar uma garrafa contendo “buzilina” que um amigo teve a amabilidade de me mostrar e, constatei, que se tratava de um líquido transparente e incolor, tal como o álcool puro, e tinha um cheiro intenso muito activo, que se situava entre o odor daquele e o da gasolina. Essa amostra porém, não seria suficiente para que, por ela, pusesse “as mãos no fogo”, como garante da veracidade do que dela se dizia. Até porque, na vila, havia uma açucareira que também fabricava álcool puro para exportação e uso interno e sabe-se lá o que com ele se poderia urdir para explorar a credulidade de papalvos menores, em ambiente de esperança e de exaltação patriótica!...
De qualquer forma, ou porque continuasse a ser igualmente crédulo, ou porque as testemunhas que afirmavam ter sido o famoso líquido, a “buzilina”, retirado dos poços, me merecessem confiança, ainda hoje tenho dúvidas e me interrogo, se não teria estado perante um produto original.
Não houve nenhum esclarecimento sobre o assunto, nem que sim, nem que não, nem que também, e por isso, atribuímos à população da vila o benefício da dúvida, tanto mais que, logo a seguir, foi noticiado o encerramento definitivo dos furos de prospecção que haviam ali sido abertos, sem que até hoje se saiba das razões da decisão.
E então especulou-se - porque nunca se tornou a falar no assunto e por ter caído no esquecimento -, que se teria descoberto algo de importante e que a selagem dos poços, poderia querer dizer que a descoberta, ou não era suficientemente significativa para justificar a sua exploração, ou ficava como reserva, em “stand by”, aguardando por melhores oportunidades.
Se se tratou de um estratagema de diversão para enganar o “indígena” como era hábito dizer-se, então, foi muito bem conseguido porque, pelo menos eu, ignorante, porque também sou indígena de algum lugar, aceitei-o como verdadeiro, como aceito ser exacto o aforismo popular de que só existe fumo onde existe em combustão uma fogueira.

A talhe de foice, mas a propósito, transcrevo com a devida vénia um parecer sobre a ignorância, elaborado por Richard S. Lindzen, reconhecido cientista americano: “A noção de que se você for ignorante em alguma coisa e alguém lhe aparecer com uma resposta errada, tem de aceitá-la porque não tem uma outra resposta errada para dar, é como a cura pela fé, é como o charlatanismo na medicina. Se alguém lhe disser que deve ingerir caramelos para curar o cancro e você responder que isso é estúpido, ele diz, bem, pode sugerir alguma outra coisa? Será que ao responder que não isso quer dizer que você tem de ingerir caramelos?”
Bem. É razoável pensar-se que, o preferível, por via das dúvidas, é não virmos a sofrer de câncer!...

In “Memorandos da Vida” Volume III, de José Cardoso

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