18/06/07

Crónicas de José Cardoso (1)

A 24 de Dezembro de 1950, quatro anos após o meu desembarque na Beira, surgia na cidade um segundo diário, o “Diário de Moçambique”, cujo proprietário era a Diocese da Beira.

Pouco tempo depois, em 1952, o engenheiro Jorge Jardim, afilhado de Salazar e membro influente do partido único a “União Nacional”, fixava-se na Beira, mais propriamente no Dondo, onde tinha interesses e “tachos” como os da “Lusalite de Moçambique”, e onde constituiria o seu quartel-general, para as actividades de que estava incumbido por alguém e de outras, possivelmente mais obscuras, de sua própria iniciativa.

Aparece como deputado à Assembleia Nacional Portuguesa, na qualidade de representante da “colónia”, que entretanto vestira como todas as outras, novas roupagens de enganosa e inventiva nomenclatura: a de “Província Ultramarina”, numa tentativa de alterar o “nanismo” de um pequeno corpo da Europa mediterrânica, para o “gigantismo” de um território, superior em duas vezes e meia aproximadamente, à soma das áreas ocupadas pela Espanha e pela França.

Já neste tempo o fenómeno endémico da “obesidade” física, que hoje preocupa as classes médicas de muitos países ricos, era doença que não preocupava as classes políticas da metrópole colonial, no que se refere à dimensão do país, mostrando ter “mais barriga do que olhos da razão”, quando propalavam obscenamente uma falsa e utópica grandeza territorial, com a condescendência de uns e a conivência de outros, igualmente interessados na manutenção das suas áreas de influência, dos seus interesses económicos e dos seus impérios.

Deixávamos portanto de ser por simples “decreto”, odiosos e refinados “colonos” para nos transformarmos em bons samaritanos, como que a modos de “provincianos” ou coisa que o valha, em obediência ao novíssimo vocabulário do “faz de conta”.

Os pretos, esses, deixavam de ser colonizados para ser “provincianilizados” e o mundo que fosse “pró carvalho que os carregasse”, ou pentear macacos porque, nestes miraculosos e abençoados mimetismos, “quem tem um olho é rei” e o rei, ‘tá mais que visto, é quem tem o ceptro do poder, a cruz de Cristo ao peito e a decisão num “cospe fogo moderno de repetição”, a tiracolo. Tudo o resto é estúpida ignorância de plebeu e de sabidas heresias de cortesã, como diria Ramalho Ortigão: “Ide resplandecer... no ceptro dos reis e nas chinelas das cortesãs”. (em A Holanda p.183).

Mas não resisto em voltar a referir-me a essa famigerada personagem que tanto odiei nos silêncios das minhas clandestinas cogitações, o Jorge Jardim que, como se verá mais adiante, teria sido para a Beira e para Moçambique, como um tumor maligno, com ramificações obscuras e perigosas de sua lavra, inspiradas nas sinistras “escolas” do nazi-fascismo de Salazar, seu padrinho, onde era mestre e principal ideólogo.

25 de Agosto de 1954, surgiam no éter limitado do espaço beirense, as ondas hertzianas da “Rádio Pax”, estação emissora também anexa à diocese que, a par das notícias escritas do “Diário de Moçambique”, constituíam reais ameaças ao “status quo” da sociedade beirense, o antivírus possível às acções corrosivas dos “contras”, que tentavam parar com as mãos, os ventos da evolução irreversível da nossa história e até da história do mundo, consubstanciada nos conflitos caseiros de uma cidade que se afirmava dinâmica, inconformada e progressista, tanto quanto retrógrada e reaccionária se apresentava por banda dos pregadores da soberba e da imoralidade.

In “Memorandos da Vida”, III Volume, de José Cardoso.

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